terça-feira, 5 de julho de 2011

AS TELENOVELAS COMO DISSEMINADORAS DE OUTRAS CULTURAS

As telenovelas fazem parte do cotidiano da família brasileira. Nesse contexto, torna-se uma importante ferramenta na difusão de certas culturas para o público. É possível conhecer vários lugares, culturas e tradições por meio das telenovelas e minisséries.

A cultura muçulmana é um dos principais temas de O Clone (Rede Globo, 2000), que tem como fio condutor a história de amor vivida pela muçulmana Jade (Giovanna Antonelli) com o brasileiro Lucas (Murilo Benício). Os dois jovens se apaixonam, mas são impedidos de ficar juntos por causa da tradição muçulmana, defendidos com rigor pelo tio de Jade, o patriarca Sid Ali (Stênio Garcia), que se agarra às crenças e à cultura árabe para arranjar um bom casamento para a sobrinha Jade. Entre os costumes muçulmanos retratados pela autora Glória Perez, a novela aborda a religião islâmica, os papéis masculino e feminino na sociedade, a dança, a língua e a culinária árabes, as cerimônias marroquinas, a poligamia e ainda o choque entre as culturas ocidental e muçulmana. A autora contou com a consultoria de dois xeques importantes no contexto muçulmano e dois irmãos marroquinos. Palestras, textos e filmes sobre os hábitos muçulmanos fizeram parte da fase de preparação do elenco e da equipe. Os atores tiveram aulas de expressões árabes e prática de orações, além de aulas de dança do ventre e de dança árabe para os homens. As primeiras cenas de O Clone foram gravadas em cinco cidades do Marrocos, onde também foi comprada uma boa parte do figurino, denotando assim, a fidelidade com a cultura muçulmana. Além disso, a novela apresentou ao público brasileiro típicos instrumentos musicais árabes. O Clone foi um sucesso de público e expressões árabes faladas pelos personagens ganharam as ruas, como “Maktub”, “Inshalá”, “Haram”, “Jogar ao vento” e “Arder no mármore do inferno”.


Retratar peculiaridades da cultura indiana em contraponto aos hábitos e costumes do Brasil foi uma das premissas da autora Gloria Perez ao escrever Caminho das Índias (Rede Globo, 2009). A novela teve como ponto de partida a paixão proibida entre dois jovens indianos de origens distintas graças ao sistema de castas. Notam-se também as diferenças entre as tradições indianas e o pensamento ocidental, principalmente em relação ao casamento, o respeito aos mais velhos, a educação dos filhos e a postura da mulher. Ocorreram locações na Índia e em Dubai. A profusão de cores presentes na Índia orientou o trabalho das equipes de figurino e maquiagem da novela. O vestuário tradicional, geralmente usado em rituais, foi levado para o dia a dia, para enfatizar a cultura indiana descrita no texto. A novela popularizou expressões como Are Baba, Atchá, Atchatchatcha, Baguan Keliê, Firanghi, Mamadi, Baldi, Namastê, Tik, Tchalô. As atrizes do núcleo da Índia tiveram aulas intensivas de bhangra, uma dança típica indiana, para compor seus papéis. Os atores também treinaram. As músicas e danças da novela conferiram um sabor de Bollywood à novela.


Um caso especial é a novela Negócio da China (Rede Globo, 2008), em que ocorre a mistura principalmente de duas diferentes culturas no bairro Parque das Nações: portuguesa e chinesa. Houveram locações na China e em Portugal. A China apresentada pela novela não era a de tradições milenares, mas um país urbano e agitado. Alguns atores precisaram de treinamento especializado para viverem seus personagens. O núcleo dos portugueses passou por um curso intensivo de panificação e aprendeu a fazer doces portugueses. Outros atores treinavam realmente kung fu. A equipe de figurino esteve em Portugal e na China para conhecer o universo cultural dos dois países, o que ajudou na criação de algumas peças, vários uniformes usados na academia de kung fu Terra do Meio vieram da China, onde também foram compradas sedas para compor o visual de várias personagens femininas.

A novela Explode Coração (Rede Globo, 1995) aborda o universo cigano por meio da história de Dara (Tereza Seiblitz), que, apesar de se orgulhar de suas origens, se recusa ficar presa às tradições, como o contrato de casamento e o estudo limitado oferecido às mulheres. Os personagens de Mio (Ivan de Albuquerque) e Soraya (Laura Cardoso) representam firmemente às tradições ciganas, repudiando até as moradias fixas. Para aprender os hábitos e costumes do povo cigano, os atores fizeram um laboratório, aprenderam danças e expressões em romanês, a língua cigana. O figurino também estava de acordo com os costumes ciganos.


Em Mandacaru (TV Manchete, 1997) o cangaço é tema central, retratando seus costumes e discutindo a questão da terra. Ambientada nos anos 30, em Jatobá, sertão da Bahia, a trama inicia-se após a morte de Lampião (Alceu Valença) e Maria Bonita (Daniela Mercury). Representada principalmente pelas figuras dos cangaceiros Tirana (Victor Wagner) e Zebedeu (Bemvindo Sequeira). Surge na história também a lenda de Dom Sebastião, crença presente no Nordeste Brasileiro. No meio de vinganças, jogos políticos e mulheres que desejam o amor verdadeiro e a felicidade de poder ser mães, a vida de cangaceiros e coronéis do sertão é apresentada. Atualmente, a trama Cordel Encantado (Rede Globo, 2011) traz o cangaço também como um dos seus eixos temáticos, porém com uma visão mais romântica dos cangaceiros do que em Mandacaru.


Outras culturas também foram eixos temáticos de outras novelas. A cultura judaica foi abordada em O Amor Está No Ar (Rede Globo, 1997) através do núcleo de Sofia Schnaider (Betty Lago). A família Schnaider chegou ao Brasil fugida no pós-guerra, e aqui, começou vida nova, construiu uma empresa e ganhou espaço na sociedade pelo próprio trabalho. A cultura italiana foi abordada em diversas telenovelas, como Terra Nostra (Rede Globo, 1999), Esperança (Rede Globo, 2002), as quais tratavam principalmente da questão da vinda dos italianos para o Brasil, além da trama Poder Paralelo (Rede Record, 2009), que focou na questão da máfia italiana.


Em relação à cultura africana, apesar do grande número de negros no Brasil, ainda não houve uma telenovela que retratasse a riqueza desta cultura como tema central. Existem tramas que abordaram a escravidão, como Sinhá Moça (Rede Globo, 1986) e Escrava Isaura (Rede Globo, 1976), porém isto denota a limitação da forma como a cultura negra foi tratada. Tanto em Sinhá Moça como em Escrava Isaura, as protagonistas são brancas e o negro surge apenas como o escravo sofrido, ficando a cultura africana em segundo plano e toda a sua diversidade é subestimada. Em Duas Caras (Rede Globo, 2007), o candomblé foi abordado por meio das personagens de Dona Setembrina (Chica Xavier) e Andréia Bijou (Débora Nascimento), mas também de uma forma superficial, não informando a sociedade sobre a religião, tendo até um caráter mítico na trama.


A teledramaturgia brasileira fez várias tentativas de incluir o universo indígena nas novelas, mas uma breve e superficial análise já mostra uma diversidade de imagens dos indígenas: às vezes inseridos no ambiente de uma trama histórica, às vezes aculturados, às vezes estereotipados. Ora integrados à cultura branca, ora sofrendo preconceito na cidade, ora em conflito por suas terras. Apenas um elemento em comum: a maioria dos personagens foi vivida por atores brancos, como se pode observar em Alma Gêmea (Rede Globo, 2006), em que a personagem Serena (Priscila Fantin) protagonizava uma índia, porém branca. Logo, ainda hoje há lacunas na abordagem geral da cultura indígena com sua história, seus costumes e tradições. Assim como a cultura africana, a cultura indígena não teve uma abordagem profunda de seus diversos aspectos. Atualmente, a novela Araguaia (Rede Globo, 2010) trouxe a figura do índio, representada principalmente pelas personagens Estela (Cléo Pires) e Ruriá (Turíbio Ruiz), mas com uma conotação negativa sobre o índio embasada na maldição indígena contra o protagonista Solano (Murilo Rosa).


Assim, aprendeu-se um pouco mais sobre as culturas muçulmana, indiana, cigana, cangaceira, judaica, italiana, indígena e africana estando apenas em frente a uma televisão. Percebe-se, então, a importância deste meio de comunicação em massa da diversidade presente na sociedade contemporânea.

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